sábado, 18 de maio de 2013

O caminho é a descriminalização das drogas


A atual política não é eficaz na diminuição do consumo e, como efeito colateral, gera diversos crimes secundários.
Apesar do caráter pecaminoso que muitos gostam de atribuir ao crime, o fato é que nenhuma conduta é naturalmente criminosa. Na verdade, é a sociedade que escolhe quais condutas devem receber o rótulo de crime e essa escolha varia de acordo com ela mesma, sociedade, e o momento histórico.
Muitas condutas ainda permanecem como crimes muito mais por uma tradição que por legitimidade do controle penal. Nem sempre a melhor forma de se proteger um bem jurídico, ou as pessoas, é através da criminalização.
É o que ocorre com as drogas.
O consumo de drogas significa uma autolesão, impunível por não ser uma conduta socialmente lesiva. Tanto é assim que diversas outras coisas, tão ou mais prejudiciais à saúde, são legalmente permitidas. O consumo de álcool é um ótimo exemplo, pois o alcoolismo indiscutivelmente causa danos à saúde.
Do mesmo modo, o consumo de cigarro que, embora não seja estupefaciente, causa grande dependência física e é altamente lesivo à saúde. Nesses dois exemplos, ninguém cogita a criminalização da venda e do consumo.
A criminalização é a melhor forma de se obter a diminuição do consumo?
Há anos a política criminal se baseia na repressão e há anos que o estado brasileiro gasta fortunas na manutenção dessa guerra, sem que se obtenha proveito algum. A verdade é que a atual política não é eficaz na diminuição do uso — raríssimas as sociedades que não usaram substâncias estupefacientes — e, como efeito colateral, gera diversos crimes secundários, como tráfico de armas, corrupção e homicídios, entre outros. Esses crimes derivam diretamente da proibição, pois ninguém precisa de fuzil para transportar cigarro ou bebida alcóolica.
O fracasso da prisão como meio de combate é tão evidente que a legislação tem sempre aumentado as penas. O Código penal de 1940 previa pena de 1 a 5 anos; em 1976, passou para 3 a 15; desde 2006, é de 5 a 15 anos. Atualmente, há um projeto de lei, de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS) que, com o substitutivo apresentado, prevê a pena mínima de 8 anos para o tráfico. Uma sandice, pois é superior à pena mínima do homicídio simples (6 anos).
Ao invés de se aumentar a dose, é preciso reconhecer que o remédio da detenção é um estrepitoso fiasco. Obviamente, a saída é a prevenção, através de campanhas educativas, e não a prisão e estigmatização do usuário. E isso é possível.
O Conselho Federal de Psicologia, em estudo sobre o projeto de Osmar Terra, expõe o caso do cigarro no Brasil. Em 1989, 35% da população fumava; atualmente, são 15,2%.
Mesmo nos EUA, que possuem a maior população carcerária do mundo, vários estados, como o Colorado, estão optando por medidas alternativas à prisão para pequenos traficantes. Bastante interessante é a experiência de Portugal onde, desde 2001, não é crime a posse de pequenas quantidades. Percebeu-se, naquele país, que a criminalização dificultava um tratamento adequado ao dependente, pois a proibição contém uma forte carga moralista.
Salo de Carvalho, pós-doutor em criminologia pela Universidade Pompeu Fabra, na Espanha, afirma que em países como Suíça, Reino Unido, Espanha, Holanda, Alemanha e Canadá houve significativa diminuição da criminalização secundária, quando o consumo foi feito “em espaços de legalidade”.
É curioso observar como a figura do traficante é mitificada. A maior parte deles é varejista – pessoas excluídas socialmente, vítimas de um estado negligente. No entanto, a imagem do traficante, no imaginário, é a daquele sujeito com fuzil a tiracolo, quando não a caricatura do vendedor de pipocas que induz as crianças e os adolescentes a se viciarem.
Quando a polícia invade um morro, as TVs mostram a “mansão” do “Pé Quente”, ou seja lá qual for seu nome. “Ele tem até uma jacuzzi”, diz o apresentador. E o que se vê é um barraco com uma banheira.
O fato é que a maior parte deles são comerciantes que vendem a droga aos que querem consumi-la. É certo que alguns consumidores, em razão da dependência, não têm discernimento — o que acontece também com o alcoólatra, mas nem por isso se demoniza o dono do boteco. Mas também é certo que a maioria dos consumidores não são dependentes pois, segundo pesquisa citada pelo Conselho Federal de Psicologia, há no Brasil 11 milhões de usuários.
A diferença entre o dono de um bar que vende cachaça e um pequeno traficante não é natural, mas fruto de uma escolha social — equivocada — de criminalizar o vendedor de drogas e não o de qualquer outra bebida.
Essa escolha deve ser mudada simplesmente porque a política antidrogas atual é um fracasso retumbante. É preciso deixar de lado o míope fanatismo proibitivista e avançar rumo à descriminalização das drogas. Essa é a melhor maneira de combatê-las.
Fonte: www.diariodocentrodomundo.com.b

Um comentário:

  1. Achei brilhante a reflexão e parabenizo o autor por ter a mente aberta e ser um conhecedor do assunto. Concordo que a descriminalização das drogas poderia ser uma chave de soluções para diversos conflitos. Os índices de viciados passam a diminuir em determinadas sociedades a partir da legalização, a proibição deixa de ser um agente "estimulador" daqueles que se dão a desculpa de fazer o proibido, e a comercialização por traficantes de áreas urbanas onde o hábito é comum passa a apresentar estatísticas inferiores no quesito violência. As penitenciárias brasileiras apresentam superlotações nocivas a dignidade dos apenados, isto seria diminuído, uma vez que autores de delitos como venda de maconha seriam desconsiderados criminosos. Poderia ser adotado os moldes da Holanda, com lugares onde a droga pudesse ser controlada e fornecida para quem a usa, além de utilizada para fins medicinais. Na Califórnia, o comércio gera bilhões, em Portugal é totalmente liberado e o número de usuários diminuiu. Sobre drogas pesadas, acho que deveria haver um outro tipo de controle, mas em relação as penas, que fossem menores, ou medidas socioeducativas. Estamos em 2013, não é mais hora para hipocrisia ou tampar o sol com a peneira.

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